Não Podemos Falar sobre isso no Trabalho!
- Suelen Schneider
- 6 de abr. de 2021
- 6 min de leitura

Se não discutirmos questões críticas sobre racismo, gênero, orientação sexual, política, ou diferenças culturais, deixaremos que a polarização se mantenha nas organizações e não poderemos usufruir dos benefícios da verdadeira diversidade e inclusão.
Conversas difíceis acontecem todos os dias no local de trabalho. No entanto, a maioria das pessoas não está preparada ou disposta a discutir honestamente questões críticas relacionadas a racismo, gênero, orientação sexual, religião, política, ou diferenças culturais. Estes temas geram conflitos de opiniões e interesses entre as pessoas.
Entretanto, se não discutirmos estes temas, deixaremos que a polarização se mantenha nas organizações e não poderemos usufruir dos benefícios da verdadeira diversidade e inclusão.
Então, como podemos virar este jogo nas organizações e criar um espaço seguro para conversas significativas sobre temas polarizados?
Mary-Frances Winters explorou este tema em seu livro intitulado “Não podemos falar sobre isso no trabalho: como falar sobre raça, religião, política e outros tópicos polarizados” (título original em Inglês: We Can't Talk about that at work: how to talk about race, religion, politics, and other polarizing topics). Este livro é um trabalho fantástico que pode ser usado como um guia para orientar conversas sobre temas polêmicos. Ele traz também ferramentas que ajudam os profissionais a planejar e implementar esse tipo de conversa em um ambiente de trabalho.
Quantas vezes você já sentiu medo de falar no trabalho? Ou durante uma reunião? E, por que isso aconteceu? Compartilho com você minha experiência pessoal.
Quando mais jovem, trabalhando em uma organização dominada por homens, muitas vezes eu temia falar ou expressar minhas opiniões em reuniões.
Tive medo de ser julgada, ignorada ou mesmo humilhada por ser jovem e mulher.
Eu imaginava que minhas perguntas pudessem ser consideradas ingênuas ou que minhas sugestões não fossem aceitas. Em reuniões dominadas por homens, eles tendem a controlar o discurso e persuadir uns aos outros em prol de suas próprias opiniões. A entonação e o volume de sua voz masculina são mais fortes do que a das mulheres, o que desencoraja ainda mais as mulheres de se exporem. Além disso, eles são a maioria em cargos de liderança, como pode ser visto em vários estudos do WEF (World Economic Forum), McKinsey e LeanIn. E para tornar a situação mais difícil, as pessoas têm uma tendência natural de julgar ou ser parcial em relação a pontos de vistas alheios. Então, naquela época, eu costumava ser mais cautelosa e me expressar pouco em reuniões. Mas a vida acontece e, felizmente, conheci mulheres extraordinárias que sabiam se impor em tais ambientes. Elas serviram de exemplo e isso me encorajou a mudar minha atuação!
Por que é tão relevante falar sobre assuntos polarizadores de opiniões?
Uma pesquisa realizada pelo Winters Group mostrou que 60% das pessoas brancas acreditam que suas organizações entendem a experiência dos negros, enquanto 60% dos negros não pensam assim. Isso mostra que negros e brancos têm percepções distintas sobre como o tema racial está sendo tratado pelas organizações.
Outra pesquisa mostrou que 50% dos norte-americanos acreditam que os valores muçulmanos estão em desacordo com os valores americanos, mas 68% das pessoas nunca falaram com um muçulmano em suas vidas. Esta estatística mostra o quanto as pessoas seguem vieses inconscientes e fazem julgamentos duvidosos sobre um tema que não conhecem. A pergunta que não cala é: se um indivíduo americano nunca sequer conversou com um muçulmano na sua vida, como ele pode ter certeza de que seus valores estão em desacordo?
Uma pesquisa da Pew mostrou que 56% dos homens acreditam firmemente que a maior parte do preconceito contra as mulheres está quase acabando. Entretanto, apenas 34% das mulheres concordam com essa opinião. Este é outro exemplo de diferença de opinião entre os grupos sub-representados e as maiorias.
O que essas estatísticas mostram? Elas exibem uma vasta diferença de entendimento entre pessoas que possuem histórias, realidades, religiões, raças, crenças e orientações distintas. Além disso, estes números e a divergência de opiniões mostram que as pessoas não estão discutindo tópicos polarizados adequadamente.
Diálogos sobre assuntos polarizados nas organizações são necessários. Cito os três principais motivos para isso:
• Quando todas as vozes são ouvidas, sejam elas das maiorias ou minorias, a liderança tem a oportunidade de acessar as experiências únicas dos grupos minoritários, e a diversidade de opiniões contribui para a solução de problemas e para o crescimento da organização.
• Uma sociedade polarizada leva à ambientes de trabalho polarizados. Ao criar um espaço seguro para as conversas delicadas nas organizações, abre-se espaço para a diversidade, que gera resultados superiores conforme mostra pesquisa da McKinsey.
• Inclusão do diálogo diverso promove a motivação das pessoas. Motivação gera engajamento, criatividade e inovação.
Um Modelo para Guiar Conversas Difíceis:
Para ajudar nesta situação, Mary-Frances Winters incentiva as pessoas a seguirem um modelo ousado para direcionar conversas difíceis e inclusivas. Este modelo segue seis etapas:
1) entendendo a si mesmo e aos outros,
2) avaliando sua prontidão para conversas difíceis e inclusivas,
3) planejando a conversa,
4) criando significados compartilhados,
5) entendendo profundamente as diferenças
6) interpretando e estabelecendo pontes.
O primeiro passo neste modelo é compreender a si mesmo e aos outros. Lao Tzu diz, “Conhecer aos outros é inteligência, conhecer a sim mesmo é sabedoria. Dominar os outros é força, dominar a si mesmo é o verdadeiro poder”. Em outras palavras, o primeiro passo que você deve seguir é iniciar uma jornada para construir a autoconsciência e a consciência social. Uma pessoa que deseja dominar conversas difíceis e inclusivas precisa primeiro reconhecer que todos têm uma identidade forjada por suas próprias crenças, competências, cultura, preconceitos e medos. A começar por você mesmo.
O segundo passo é avaliar a prontidão de alguém para conversas difíceis e inclusivas. Quando um indivíduo possui habilidades, conhecimentos e competências sobre si, sobre o outro e sobre o tópico da discussão, dizemos que ele está pronto ou apto a iniciar uma conversa inclusiva.
Em uma situação desejável, deveríamos avaliar tanto a prontidão individual quanto da organização. Para isso, podemos usar um modelo de avaliação intercultural para entender se um indivíduo ou uma empresa tem o nível de mentalidade e compreensão cultural do tema na ordem do dia.
Outra maneira de analisar e construir a prontidão é o uso dos quatro E's, que envolvem Exposição, Experiência, Educação e Empatia. Exposição refere-se ao nível de diversidade ao qual as pessoas estão expostas. Quanto maior a diversidade ao seu redor, melhor o indivíduo lidará com temas polarizados. Experiência está relacionado à quantidade de conversas polarizadas ou inclusivas que um indivíduo já teve em sua vida.
Quanto mais uma pessoa pratica conversas inclusivas, melhor será seu desempenho e melhores serão os resultados. Educação refere-se literalmente a quanto uma pessoa conhece sobre determinado assunto. Isso envolve a prática do estudo e pesquisa para conhecer sobre o assunto, seus impactos, prós e contras, e diferentes perspectivas. Empatia faz parte das habilidades sociais, e significa entender o outro e tratá-lo de acordo com sua reação emocional.
Depois de avaliar a prontidão para conversas inclusivas, é hora de se planejar a conversa. Nesta terceira etapa da estrutura proposta por Winter, você deve:
a) identificar com quem você vai falar, usando empatia para conhecê-los bem
b) compreender qual é o tópico da conversa, pesquisando dados e fatos para apoiar sua compreensão
c) definir onde essa conversa vai acontecer, sempre considerando o local mais adequado
d) estabelecer quando essa conversa vai acontecer
e) como ela será conduzida.
Responder a essas perguntas permite que você crie um plano detalhado para a conversa.
A quarta etapa é criar um significado compartilhado, construindo um entendimento comum sobre o assunto discutido com base em fatos e dados. Cada pessoa tem uma percepção única do mundo, mas existem fatos e informações que podem unir diferentes pontos de vista e ajudar as pessoas a não ver as coisas tão diferente. Chamo isso de construir um entendimento comum sobre as coisas, que podemos basear em fatos ou dados. DNA é um acrônimo que significa Descrever, Navegar e Adaptar, e é uma ferramenta para desafiar intencionalmente nossas interpretações. Esta ferramenta sugere que primeiro você descreva a situação de maneira neutra e sem julgamentos, depois navegue pelas diferentes interpretações e avalie como se sente a respeito de cada uma delas. Finalmente, você pode adaptar sua abordagem ou comportamento de acordo com a situação. Ao fazer isso, você ancora o diálogo em diferentes interpretações e cria um espaço seguro para que elas sejam discutidas.
O quinto passo é aprofundar as diferenças que existem sobre o tema. Isso exige que as pessoas abram suas mentes para posições contrastantes, reconheçam que existe polarização e se envolvam em um espaço de aprendizagem recíproca. A regra da platina é tratar os outros da maneira como ELES querem ser tratados, não da maneira que VOCÊ deseja ser tratado. O segredo é calçar os sapatos dos outros. Isso não significa que você deva concordar com opiniões distintas, mas reconhecê-las e respeitá-las.
Finalmente, a última etapa na estrutura proposta por Winter é interpretar toda a situação e fazer uma ponte para possíveis soluções e ações. Para atingir esse nível, você precisa aprimorar hábitos inclusivos. Alguns destes hábitos são: reconhecer o tema polarizado, legitimá-lo, entender suas nuances, refletir, descrever e contextualizar. Com a prática vem a experiência, e as conversas difíceis tornam-se administráveis e as pessoas, que se sentem julgadas ou excluídas, passam a ver uma luz no fim do túnel.
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